“O que eu tenho a ver com isso?” Leia e descubra a resposta
Artigo de opinião
Por Carola Matarazzo
O tempo dirá se aprendemos nosso dever de estar sempre alerta quanto às desigualdades sociais. Por isso, vamos trocar a pergunta do título deste artigo pela reflexão que nos deixou Martin Luther King: ‘O que você está fazendo pelos outros?’
Estávamos nos últimos dias de fevereiro de 2020 quando recebemos a notícia. Uma nova doença, que até então parecia distante, chegara ao Brasil. Em pouco tempo, instalou-se o pânico. Ainda não sabíamos da gravidade da pandemia, mas era claro que o caos seria bem maior entre as regiões e populações mais vulneráveis. A pobreza, a miséria, a fome e a falta de acesso à saúde básica já eram urgências no País. A situação se agravou e entramos em estado de emergência.
Para surpresa de todos, vimos brotar junto ao medo e o desespero uma comoção que resultou em um recorde de doações no Brasil, passando de R$ 6 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos (ABCR). Descobrimos que somos capazes de nos organizar e reagir a tempo. Compreendemos as necessidades que já existiam e, sob pressão, a solidariedade brotou.
A grande lição é que podemos ser uma nação solidária. O tempo nos dirá se aprendemos nosso dever de estar sempre alerta sobre as desigualdades sociais e os problemas estruturantes do País, para que essa chama se perpetue sem necessitar de uma emergência para ser acesa. Nos conscientizamos de que precisamos agir e fortalecer esse novo caminho de articulação social.
Fica também a descoberta do nosso poder de engajamento, com a compreensão de que a filantropia estratégica — junto de políticas públicas bem estruturadas e a mobilização da sociedade civil — é uma ferramenta poderosa para escalonar soluções. Um coletivo inteligente capaz de achar alternativas que gerem legados para uma sociedade.
Criamos alianças intersetoriais transformadoras, completando o ciclo filantrópico, que une a experiência do empresário, suas ferramentas de gestão e recursos financeiros ao conhecimento das necessidades de quem está na base, vivenciando os desafios.
A solução é coletiva porque os problemas são complexos e envolvem a todos. Esse foi o grande ensinamento: somos interdependentes. Se o meu vizinho fica doente, meu risco é maior; se eu me cuido, cuido dos que estão ao meu redor. O vírus nos mostrou que não há barreiras entre os países, que o rico e o pobre podem ser afetados, que o remédio pode vir de outro lado do planeta. O bem de todos depende de cada um.
Logo no início da pandemia, o Movimento Bem Maior, o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e a BSocial instituíram o Fundo Emergencial para a Saúde Covid-19. Com o apoio de mais de 10 mil doadores, ele viabilizou a doação de R$ 40 milhões para 60 instituições de 25 estados, provando, assim, que é possível unir esforços entre o público e o privado com um objetivo comum. Seguimos nosso propósito de nos aprofundar nas demandas estruturais para reforçar a base social.
A crise reforçou a importância da inteligência coletiva coordenada e das redes colaborativas. O legado são ações para atender necessidades de saúde, desemprego e fome. Iniciativas como a UniãoBR foram um exemplo disso. A organização reúne voluntários de todo o Brasil atuando com uma liga de uniões estaduais. Com o objetivo de apoiar comunidades mais vulneráveis aos efeitos da pandemia, a União BR já arrecadou mais de R$ 140 milhões — e continua aberta a todos que queiram ajudar, doar e colaborar.
A emergência vai passar, mas a urgência continua. Vamos trocar a pergunta do título deste artigo pela reflexão que nos deixou Martin Luther King: “A pergunta mais urgente e recorrente da vida é: ‘O que você está fazendo pelos outros?’.”
Carola Matarazzo é diretora executiva do Movimento Bem Maior
Este artigo foi orginalmente publicado no site da revista IstoÉ Dinheiro