Jayme Garfinkel: “Não podemos ser indiferentes”
“Quem tem condição de realizar um investimento em causas sociais é mais que necessário que o faça. Temos esse dever como seres humanos”, escreve o controlador da Porto Seguro.
Ao passar com meu carro pela avenida Faria Lima, um dos principais centros financeiros de São Paulo, vi um homem deitado na calçada, a dois metros do ponto de ônibus. Ele aparentava ser uma das milhares de pessoas que vivem atualmente nas ruas da capital paulistana. Não sei se estava vivo, morto, doente ou só dormindo mesmo.
Continuei o meu caminho, mas depois veio um estalo em minha consciência: ‘eu vi aquela cena e não fiz nada’. Era um ser humano que estava lá e não sabia qual era a sua condição. Simplesmente, passei por ele. Assim, como passaram outros motoristas e a mulher que estava sentada no ponto de ônibus. Lembro desse caso porque naquele dia não consegui dormir direito com a apatia geral, inclusive a minha, e continuo a refletir sobre o alto grau de indiferença em nosso país.
Não é necessário apontar estudos para dizer que, infelizmente, vivemos em uma sociedade injusta, desumana e violenta. Como ficar tranquilo assim? É momento de juntar os esforços para mudar o nosso país. Quem tem condição de realizar um investimento em causas sociais é mais que necessário que o faça. Temos esse dever como seres humanos, como povo.
Em 1991, quando senti que tinha certa estabilidade financeira, busquei investir em um dos meus sonhos que é o de melhorar a educação. Após estudar bastante o tema, surgiu a ideia de fazer uma parceria com uma escola pública para tentar aumentar a qualidade do ensino. O projeto foi ampliado e virou a associação sem fins lucrativos Crescer Sempre, que hoje conta com escola regular de educação infantil, escola integral de ensino médio, projeto de reforço em português e matemática no contraturno, cursos profissionalizantes, biblioteca aberta à comunidade e outras atividades diversas.
Certo dia, o empresário Jair Ribeiro foi visitar o nosso trabalho que atende a comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. Ele gostou tanto da ideia que decidiu também assumir uma parceria com uma escola. Mas, ele foi muito além. Conseguiu sensibilizar um grupo de empresários que se comprometeram a apoiar outras escolas. Como consequência, nasceu o programa Parceiros da Educação, que impactou diretamente cerca de 600 escolas públicas em 15 anos de atuação.
Aquela semente jogada em 1991, com a ideia de estabelecer parcerias da sociedade civil, produziu muitos frutos. A iniciativa da Crescer Sempre serviu como inspiração para o surgimento do Parceiros da Educação, que, por sua vez, pode influenciar outros empresários e executivos, independentemente da área de atuação. É um dominó que vai se formando e que permite executar ações mais eficazes. Um pode aprender com o outro, e formar uma espiral de solidariedade que não pare de crescer.
Também passei a me envolver em ações para melhorar o sistema prisional. Eu me incomodava muito com a situação das prisões, muitas (não todas) eram desumanas. Eu, como cidadão, senti que precisava fazer alguma coisa e ajudei a criar, em 2015, o Instituto Ação Pela Paz, que tem como missão apoiar o poder público e a sociedade civil em iniciativas que contribuam para a redução da reincidência criminal.
Ao longo dessa minha caminhada, escutei infelizmente perguntas como: “você vai ajudar bandidos?”. A minha resposta é que devemos ajudar pessoas. Elas erraram, estão cumprindo as penas determinadas pela Justiça e depois vão voltar a ter liberdade. Encarar as prisões como “depósito de gente” contribui para uma visão desumana e para a escalada da violência no país.
Na primeira vez que fui visitar um presídio, eu estava com medo e não sabia direito o que iria ver, mas, me vi frente a frente com seres humanos iguais a mim. Eu acho que quando buscamos compreender melhor um problema social e adotamos um olhar empático, a tendência é que passemos a nos envolver mais intensamente para mudar a situação.
Neste momento complicado do país, venho participando de encontros e conversas sobre o que podemos fazer de diferente, como podemos mobilizar mais gente para conseguir alavancar o impacto social. No sentido de reunir os esforços, tomei a decisão de me associar ao Movimento Bem Maior, uma organização que tem o objetivo de fortalecer o ecossistema filantrópico e conta com um pensamento parecido com o meu.
É muito importante que grupos assim cresçam. Uma ampla mobilização precisa ser feita na sociedade, com a participação geral e com uma cultura de doação, para enfrentar os graves problemas atuais. Não dá para esperar nem ser indiferente!
*Jayme Garfinkel, associado ao Movimento Bem Maior e acionista controlador da Porto Seguro
Este artigo foi originalmente publicado no site da revista Exame.